A Falência da Teka S/A

Um Capítulo Conturbado na História de Blumenau
A Teka Tecelagem Kuehnrich S/A, uma das mais tradicionais empresas têxteis do Brasil, com sede em Blumenau, Santa Catarina, entrou em um capítulo decisivo de sua quase centenária história em fevereiro de 2025. Após mais de 12 anos em recuperação judicial, a administração judicial da companhia, representada pela Leiria & Cascaes Administração Judicial Ltda., protocolou, no dia 5 de fevereiro, um pedido de conversão do processo de recuperação em "falência com atividade continuada". Esse movimento, que ainda aguarda decisão da Vara Regional de Falências, Recuperação Judicial e Extrajudicial de Jaraguá do Sul, reflete a gravidade da crise financeira e operacional que a empresa enfrenta, além de expor tensões entre acionistas, administradores e trabalhadores. Este artigo explora os antecedentes desse pedido, os impactos sociais e econômicos para Blumenau e região, e o que o futuro reserva para essa gigante do setor têxtil.
Origens e Ascensão da Teka
Fundada em 1926 por Paul Fritz Kuehnrich, a Teka nasceu em Blumenau, uma cidade marcada pela forte influência da imigração alemã e por sua vocação industrial. Ao longo das décadas, a empresa se consolidou como uma das maiores fabricantes de artigos de cama, mesa e banho da América Latina, com destaque no mercado de hotelaria. Suas unidades em Blumenau (SC) e Artur Nogueira (SP) empregavam cerca de 2.000 pessoas diretamente, além de sustentar uma cadeia de fornecedores e parceiros que dependiam de sua operação. A Teka era mais do que uma empresa: era um símbolo de tradição e identidade para a comunidade blumenauense.
No entanto, o sucesso do passado não foi suficiente para blindar a companhia das turbulências do mercado têxtil global e de uma gestão que, ao longo dos anos, acumulou problemas estruturais. A concorrência com produtos importados, especialmente da Ásia, e a falta de modernização em alguns processos industriais começaram a minar sua competitividade. Esses desafios culminaram em 2012, quando a Teka entrou com um pedido de recuperação judicial, na época com uma dívida estimada em R$ 780 milhões. O objetivo era reestruturar as finanças e evitar a falência, mas o que se viu nos anos seguintes foi um prolongado processo de crise.
Uma Recuperação Judicial Prolongada e Conturbada
A recuperação judicial, iniciada em 2012, deveria ser uma solução temporária para reorganizar as dívidas e recolocar a Teka nos trilhos. No entanto, o processo se arrastou por mais de uma década, marcado por reviravoltas, trocas de gestão e denúncias de irregularidades. Relatórios judiciais apontaram crescimento do endividamento, falta de transparência financeira e até mesmo a circulação de recursos da empresa em contas pessoais para evitar penhoras. À medida que os anos passavam, as dívidas da companhia dispararam, alcançando cerca de R$ 3,5 bilhões, segundo estimativas recentes, com boa parte composta por débitos tributários, trabalhistas e com fornecedores.
Entre 2017 e 2024, a Teka passou por diversas intervenções judiciais. Gestores foram afastados, conselhos de administração dissolvidos e administradores judiciais substituídos. Em 2024, a Leiria & Cascaes assumiu a administração judicial, liderada pelo advogado Pedro Cascaes Neto, que identificou um "colapso operacional" na empresa. Apesar de a receita bruta ter crescido nos últimos anos — de R$ 344 milhões em 2022 para R$ 404 milhões até novembro de 2024 —, o fluxo de caixa permaneceu insuficiente para honrar compromissos, e o capital de giro foi comprometido por sucessivas constrições judiciais.
O Pedido de Falência Continuada
O pedido de "falência com atividade continuada", apresentado em 5 de fevereiro de 2025, é uma tentativa de equilibrar a liquidação do patrimônio da Teka com a manutenção de suas operações. Diferente de uma falência tradicional, que encerraria as atividades imediatamente, essa modalidade permite que a empresa siga funcionando enquanto seus ativos são vendidos de forma organizada para pagar os credores. A administração judicial justificou a medida como a "melhor solução" para evitar uma liquidação fragmentada e garantir a estabilidade econômica das comunidades de Blumenau e Artur Nogueira, onde quase 2.000 famílias dependem direta ou indiretamente da Teka.
Em nota oficial publicada em 6 de fevereiro, a empresa reafirmou seu compromisso com a manutenção dos empregos, entrega de pedidos e produção nas fábricas. No entanto, a solicitação expôs uma profunda divergência entre os envolvidos no processo. O fundo Alumni, que detém 24% das ações da Teka, acusou a administração judicial de agir de má-fé e questionou a necessidade da falência, alegando que a empresa é lucrativa e viável. O fundo argumenta que a recente redução de R$ 200 milhões na dívida tributária, via renegociação de ICMS com o governo de São Paulo, e um fluxo de caixa projetado de R$ 16 milhões para 2025 demonstram que a recuperação ainda é possível.
Por outro lado, a Leiria & Cascaes destacou a "beligerância" entre acionistas e a instabilidade societária como agravantes da crise. A disputa ganhou contornos pessoais, com o Alumni pedindo a destituição da administradora judicial e acusando-a de buscar lucros exorbitantes — os honorários solicitados chegariam a 5% do valor dos ativos vendidos, algo que o fundo considera "extravagante".
Impactos Sociais e Econômicos em Blumenau
A possibilidade de falência da Teka tem gerado preocupação em Blumenau, onde a empresa é um pilar histórico da economia local. O Sindicato dos Trabalhadores Têxteis (Sintrafite), liderado por Carlos Maske, realizou assembleias em 6 e 7 de fevereiro para discutir a situação com os funcionários. Os trabalhadores entraram em estado de greve, exigindo a garantia de salários, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros direitos. "Existe uma preocupação muito grande por parte do sindicato e dos próprios trabalhadores. Eles temem pelo futuro", declarou Maske.
A eventual paralisação ou liquidação total da Teka poderia desencadear um efeito dominó na região, afetando fornecedores, pequenas empresas e o comércio local. Além disso, a perda de empregos diretos agravaria os indicadores sociais em um momento em que Blumenau já enfrenta desafios econômicos pós-pandemia. Por outro lado, a manutenção das atividades, mesmo em um cenário de falência continuada, oferece um respiro temporário, mas não elimina a incerteza sobre o destino da companhia.
O Futuro da Teka e Lições para o Setor Têxtil
Enquanto a Justiça não decide sobre o pedido de falência, a Teka segue operando sob restrições financeiras e operacionais. A queda de 40% no valor de suas ações na B3 após o anúncio reflete a desconfiança do mercado, que hoje avalia a empresa em cerca de R$ 11 milhões — um contraste gritante com seu faturamento anual. Para o fundo Alumni, a saída seria uma auditoria independente pela PwC e um plano de reestruturação mais robusto. Para a administração judicial, a falência continuada é o único caminho viável diante do "cenário de inviabilidade" da recuperação.
O caso da Teka serve como um alerta para o setor têxtil brasileiro, que enfrenta desafios como concorrência internacional, alta carga tributária e dificuldades de acesso a crédito. A história da empresa blumenauense reflete tanto os custos de uma gestão ineficiente quanto a resiliência de uma marca que, mesmo à beira do colapso, ainda mobiliza esforços para sobreviver. Seja qual for o desfecho, o destino da Teka deixará marcas profundas em Blumenau e no imaginário industrial de Santa Catarina.